O barulho era parte do trabalho. O silêncio, da indenização.
Em meio ao ronco constante das prensas e martelos hidráulicos, ele passou anos acreditando que aquele zumbido nos ouvidos era normal.
“É só cansaço.”
“Depois passa.”
Mas não passou.
Ele não sabia — e talvez nem o patrão soubesse — que os sons da fábrica chegavam a 110 decibéis. Isso equivale ao barulho de uma britadeira em plena potência.
O máximo permitido por lei?
85 decibéis, por até 8 horas.
Acima disso, cada 5 dB exigem a redução pela metade do tempo de exposição.
100 dB? Só 15 minutos diários seriam toleráveis.
Ele trabalhou anos assim. Com protetor auricular.
Mas perdeu a audição.
E agora?
Agora, a Justiça deu razão a ele.
A sentença foi clara: a empresa era responsável.
Mesmo com EPI. Mesmo com exames admissionais.
Por quê?
Porque a Justiça entendeu o que poucos compreendem:
Nem sempre o EPI é suficiente.
E quando a proteção é só de fachada, o barulho é do empregador.
A Surdez Ocupacional: O Inimigo Invisível e Silencioso
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas estão em risco de perda auditiva relacionada ao trabalho ou hábitos modernos.
No Brasil, a surdez é a segunda doença ocupacional mais comum, ficando atrás apenas das LER/DORT.
E o mais assustador:
É silenciosa. Progride aos poucos. Quase ninguém percebe.
Quando vem o diagnóstico, já é tarde demais.
E quando vem a demissão, o trabalhador leva o zumbido com ele — mas não leva a orientação jurídica.
Um caso de ficção que poderia ser real
Essa é, inclusive, a trajetória de Ruben, o personagem interpretado por Riz Ahmed no filme premiado O Som do Silêncio.
Baterista de uma banda de metal e ex-viciado em recuperação, Ruben começa a perder a audição gradualmente, até mergulhar num silêncio irreversível.
A diferença é que ele era músico.
Mas e se fosse um operador de torno, ou um soldador de fábrica?
A dor seria a mesma — mas, neste caso, poderia haver indenização.
O Que Dizem a Lei e as Normas Técnicas
📌 Art. 20, §1º, alínea “b” da Lei 8.213/91 – Equipara-se a acidente de trabalho a doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado.
📌 NR-15, Anexo I – Define os limites de tolerância para exposição ao ruído contínuo ou intermitente.
📌 NHO-01 (Fundacentro) – Estabelece a metodologia correta para avaliação da exposição ao ruído ocupacional, incluindo a exigência de dosimetria sonora, uso adequado de decibelímetros, tempo de exposição, e exames audiométricos obrigatórios.
📌 NR-7 – Determina a criação de um Programa de Conservação Auditiva, com audiometrias periódicas, controle da eficácia do EPI e ações preventivas contínuas.
O Trabalho do Perito: O Detetive do Som
Nos processos, o juiz nomeia um perito engenheiro de segurança do trabalho, que analisa:
- O ambiente onde o trabalhador estava
- A intensidade sonora (com decibelímetro e dosímetro)
- Os registros da empresa sobre EPIs, exames e programas de saúde
- E principalmente: se havia risco de surdez, mesmo com o EPI
Se for constatado que:
- O EPI não era adequado
- Não havia fiscalização
- Ou que a empresa ignorou os limites legais de ruído
➡ A responsabilidade passa a ser da empresa.
Mas atenção: nem toda empresa age por má-fé.
Às vezes, o que falta é informação técnica qualificada, acompanhamento constante e uma cultura de saúde auditiva.
💡 Se você é empresário ou gestor, entenda:
implantar um Programa de Conservação Auditiva sério, com mapeamento de ruído, treinamentos eficazes e audiometrias regulares, pode salvar não só a audição dos seus colaboradores — mas também o futuro jurídico da sua empresa.
Quais os Direitos de Quem Sofre Perda Auditiva no Trabalho?
A depender do grau da perda, você pode ter direito a:
- Indenização por danos morais
- Danos estéticos (mesmo que não visíveis, a surdez muda a relação social)
- Danos materiais (como custos com aparelhos auditivos ou perda de renda)
- Estabilidade acidentária (1 ano garantido no emprego)
- Aposentadoria por invalidez ou especial
- E até pensão vitalícia, se houver incapacidade parcial e permanente
Mesmo Anos Depois, Você Pode Buscar Justiça
A surdez é uma doença de efeito progressivo e cumulativo.
A lei permite que você busque seus direitos mesmo anos após sair da empresa, desde que consiga comprovar o nexo técnico entre o ambiente de trabalho e a perda auditiva.
Não Deixe Que o Barulho Apague Seus Direitos
Se você trabalhou exposto a ruído intenso por meses ou anos…
Se tem zumbido, perda de audição ou dificuldade de comunicação…
Se já procurou otorrino e ouviu que “é do trabalho”…
Você pode ter direito a indenização. A estabilidade. A aposentadoria.
E, acima de tudo, ao reconhecimento de que o seu corpo não é descartável.
✒️ Por Renan Klautau. Especialista em Direito do Trabalho pela USP.
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